Flamengo perde chance rara no Brasil: a de construir um legado de jogo
Jornalista, formado em análise de desempenho pela CBF e especialista em tática e estudo do futebol
Ao priorizar o aspecto financeiro, o clube perde a chance de documentar o trabalho de Jorge Jesus e construir uma cultura que fique para a posterioridade.
Não existe almoço grátis. A frase popularizada pelo economista Milton Friedman é usada como argumento para defender a modernização financeira do futebol brasileiro nos últimos anos. Programas de sócio-torcedor, aumento no preço de ingressos novos modelos de transmissão fazem parte de um emaranhado de soluções para arrecadar mais dinheiro, sanar dívidas e contratar os melhores em campo. É uma receita válida e eficiente, que resultou em dois títulos. E depois do almoço? Não é hora de saber plantar a própria comida ao invés de acumular dinheiro para pedir no delivery?
Existem vários métodos de fazer a bola entrar na rede. O mais saudável e constante deles é criar uma administração racional e consciente, que use a base para alimentar o time profissional e forme seus próprios profissionais. O nome disso é escola de jogo. Com a renovação de Jorge Jesus até 2021, o Flamengo tem a faca e o queijo na mão para montar uma cultura seguindo os ensinamentos do técnico que revolucionou o clube e produziu o melhor futebol desde 1981.
Jorge Jesus durante treino do Flamengo no Ninho do Urubu — Foto: Alexandre Vidal/Flamengo
Exatamente um mês depois da celebrada renovação, nada foi feito. Não é raro ouvir nos bastidores que a comissão portuguesa deixou um “legado zero”. É um exagero, mas reflete o incômodo com o acesso negado que treinadores da base e funcionários que não são do profissional têm aos trabalhos de Jesus. Tudo é fechado para que ninguém veja, copie e reflita sobre. A diretoria, que deveria ter esse papel de construção, não tem interesse em colocar tudo no papel. Não há um documento que explique os métodos de treinamento de Jesus, ou como ele planifica a semana. Ninguém sabe exatamente qual é o tipo de treino físico que fez o time suportar uma maratona.
Um exemplo prático de como funciona a cultura de jogo no campo: você está careca de saber que a linha de defesa do Flamengo joga adiantada, para facilitar que a marcação seja alta e sufocante. Pablo Mari foi chamado por entender esse jeito de jogar, assim como Léo Pereira foi a reposição ideal por já jogar assim no Athletico. Como a cultura de jogo unifica todo mundo, essa reposição está lá na base. Claro que existem os melhores e piores, mas ao invés de gastar dinheiro, o Flamengo poderia dar lugar a um jovem identificado com a torcida, que pudesse dar frutos esportivos e depois fosse vendido, gerando lucro. E assim o ciclo se alimenta, o time se mantém no topo e as finanças ficam sempre em dia.
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